Povos tradicionais têm opção de crédito facilitado com o Plano Safra 2025/2026

Programas do governo federal buscam garantir mercado para a agricultura familiar, mas povos indígenas e comunidades tradicionais desconhecem as linhas de financiamento

Por Itiane Ferreira

Acompanhe a entrevista completa com os representantes dos povos tradicionais e o superintendente da CONAB-TO

Duas políticas públicas ganham destaque neste ano com foco na agricultura familiar e nos povos tradicionais: o Plano Safra 2025/2026, que oferece crédito e incentivos para fortalecer a produção, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), executado pela Conab, que garante mercado para os agricultores familiares.

A chamada pública do PAA sementes, exclusiva para compra de sementes, está com inscrições abertas até 30 de setembro de 2025. Nesta modalidade a Conab compra sementes de uma associação e faz a doação das sementes para outra associaçã

E podem participar indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, extrativistas, assentados e demais comunidades tradicionais, que terão a oportunidade de comercializar diretamente sua produção com o governo federal.

Mas o que é o  PAA e o Plano Safra 2025/2026 e como impacta os povos tradicionais?

O Plano Safra é o principal programa de financiamento agrícola do Brasil. Todos os anos, o governo federal anuncia um pacote de medidas que define quanto de crédito rural estará disponível, quais os juros cobrados e quais as prioridades para o setor

Na edição 2025/2026, o governo destinou um grande  recurso  para a agricultura familiar, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Entre os pontos de destaque estão:

  • Juros reduzidos: taxas menores para produção de alimentos da cesta básica e ainda mais baixas para produção orgânica e agroecológica.
    Linhas específicas: financiamento para quintais produtivos, transição agroecológica e atividades que valorizam a sociobiodiversidade.
    Menos burocracia: prorrogação do prazo do Cadastro da Agricultura Familiar (CAF) em regiões como a Amazônia.
  • Apoio técnico: incentivos para irrigação sustentável, conectividade no campo e tecnologias adaptadas aos pequenos produtores.

Outra novidade é o estímulo aos quintais produtivos, práticas agroecológicas e projetos de transição ecológica. 

 Mas apesar do montante de investimento no setor produtivo, os mais interessados pelo financiamento desconhecem a política de incentivo agrícola diferenciada por categoria.

Uma das críticas das associações de pequenos agricultores é que ainda faltam garantias claras para reserva de parcela de recursos específica para povos tradicionais, bem como facilitação de certificação e documentações essenciais.

Já , o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos)  compra alimentos diretamente da agricultura familiar, e destina a produção a escolas, creches, hospitais e entidades socioassistenciais.

Além de gerar renda, o programa ajuda a valorizar alimentos da sociobiodiversidade e a manter viva a tradição de cultivo de espécies nativas, fortalecendo a identidade cultural desses povos.

A voz das comunidades indígenas

O Calangopress percorreu algumas comunidades, procuramos saber se indígenas, quilombolas e associações de mulheres pescadoras, por exemplo, foram beneficiadas com as linhas de crédito do Plano Safra.

 Renato Pypcrê Krahô liderança indígena do povo Kraho Takaywrá, do município de Lagoa da Confusão (TO), explica que muitos ainda sequer conhecem as condições para acessar o programa.

“A gente sabe que existe, mas não chega até nós, não temos acesso. Seria importante para desenvolver pequenos projetos, mas falta orientação e oportunidade real” Renato Pypcrê Krahô

“A maior dificuldade está na falta de segurança jurídica dos territórios”

Já ouvi falar do crédito do Plano Safra pela mídia, mas nunca tivemos uma explicação clara dentro da comunidade. É uma coisa que fica meio às escondidas. A gente sabe que existe, mas não chega até nós, não temos acesso. Seria importante para desenvolver pequenos projetos, mas falta orientação e oportunidade real”, relata.

Segundo Renato, a maior dificuldade está na falta de segurança jurídica dos territórios:

Na maioria dos créditos rurais, os bancos exigem documentação da terra como garantia. No caso dos territórios indígenas, mesmo os demarcados pertencem à União e não possuem título. Sem esse documento, muitos bancos não aprovam o financiamento. E para quem, como nós, ainda não tem território demarcado, o acesso é ainda mais difícil”, explica.

Ele cita o exemplo de um projeto de criação de peixes em viveiro que precisou ser paralisado por falta de recursos.

Sem crédito, não conseguimos comprar os equipamentos necessários. O projeto chegou a funcionar, mas tivemos que parar porque o dinheiro acabou e não havia financiamento disponível para continuar”.

Fernando Kmõrê de Souza Xerente, indígena da etnia Xerente, na Ilha do Bananal, reforça a falta de informação sobre o programa.

Eu não tinha conhecimento desse crédito rural. Acho que seria muito importante para os indígenas, ajudaria na roça e no futuro da produção. Mas a gente não sabe como acessar”, afirma.

Para Dona Maria da Conceição, que é ribeirinha da Comunidade Diamante, às marges do rio Tocantins, em Itupianga, segundo ela “o crédito não chega por lá, a maioria das pessoas vive da pesca e da agricultura familiar, desenvolvemos pesca artesanal, mas a construção da hidrovia vai acabar com tudo”, lamenta.

“Eu considero o rio uma empresa da minha família, como posso deixar passar uma rua dentro do meu quintal sem me consultar?”

O Superintendente da CONAB, Marco Túlio Nascimento, explica quais são as linhas de crédito específicas que podem ser acessadas pelos agricultores indígenas e quilombolas e associações de agricultores:

“A Conab trabalha com o sistema de compra com doação simultânea, isso significa que a Conab compra e faz a doação para quem precisa. “É importante dizer que temos um público preferencial para agricultura familiar”, explica.

“Quilombolas, indígenas, pescadores são incluídos legalmente como agricultores familiares e têm direito à acessar as políticas e com benefício ao acesso às políticas”.

Segundo Marco Túlio, o mesmo ocorre com mulheres e jovens, há uma linha de crédito específica e mais acessível para as mulheres do campo e as associações que estão com mais mulheres associadas têm mais chance de serem contempladas com os créditos.

O superintendente continua:

“Há uma linha de crédito específica e mais acessível para as mulheres do campo e as associações que estão com mais mulheres associadas têm mais chance de serem contempladas com os créditos”. Marco Tulio, CONAB

“Em alguns programas basta que os quilombolas ou indígenas apresentem o NIS que é sigla para (Número de Identificação Social), é um cadastro feito pela Caixa Econômica Federal para identificar a pessoa trabalhadora e que vínculo ela possui, com empresa privada, cooperativa, ou se é beneficiária de programas sociais”, orienta.

O Superintendente informou que “convocamos quase 50 associações para a primeira rodada de contratações e empenhamos quase 10 milhões de reais, no PAA da modalidade compra com doação simultânea , na qual a Conab compra alimentos de associações”, comemora.

A expectativa de Marco Túlio é que até o final do ano estejam realizando as entregas.

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Um Projeto de Pesquisa e Extensão idealizado para as atIvidades práticas de reportagem, produzido com a participação dos acadêmicos do curso de jornalismo da UFT.

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