Por Loara Tomáz e
Samuel Cunha
Acompanhe a entrevista com o Reverendo Magela da CasaA+
No país, aumentou o sub-registro de pessoas sem registro civil, tanto recém-nascidos quanto adultos. São indivíduos que nunca tiveram documentos ou que os perderam ao longo da vida.
Segundo o IBGE, em 2023 (pesquisa mais recente), 1,05% dos nascimentos no país não foram registrados em cartório no prazo legal, o que representa o menor índice já registrado desde o início da série histórica, em 2015.
O percentual é significativamente maior em algumas regiões: no Norte, o sub-registro de nascimentos chegou a 3,73%, quase quatro vezes acima da média nacional, a falta de documentação atinge principalmente populações como indígenas, pessoas em situação de rua, egressos do sistema prisional e a comunidade LGBTQIA+.
Vídeo Assessoria Click, produção da disciplina de Assessoria de Imprensa, 2025.1
Na Casa 8 de Março, ONG que acolhe mulheres em situação de violência doméstica e vulnerabilidade social, a falta de documentação básica é uma barreira para uma vida melhor — principalmente entre as que estão em situação de rua, migrantes e egressas do sistema prisional.
Segundo Bernadete Aparecida Ferreira, uma das coordenadoras da instituição, a ausência de certidão de nascimento ou RG é um entrave que impacta diretamente o acesso à educação, ao trabalho e a políticas públicas.
“Já lidamos com mulheres que saem da prisão sem nenhum documento, ou que perderam tudo enquanto estavam nas ruas. Sem registro, elas não podem votar, não conseguem matricular os filhos na escola, nem acessar programas sociais. Isso inviabiliza qualquer tentativa de reconstrução da vida”, explica.
Ela destaca ainda que a situação de mulheres trans, indígenas ou jovens em fuga familiar agrava a exclusão civil. “Quando não conseguimos emitir o documento de imediato, orientamos a apresentar pelo menos o protocolo, histórico escolar ou comprovante militar. “É o mínimo para provar que aquela pessoa existe”, enfatiza.
Com apoio do Programa Escritório Social, que atua em parceria com cartórios e órgãos de identificação, o processo tem se tornado mais acessível. “O programa ajuda na articulação e garante a gratuidade, o que faz toda a diferença para mulheres em situação de extrema pobreza”, acrescenta Bernadete.
A Casa A+ é atuante no acolhimento de pessoas LGBTQIA+ e que convivem com HIV/AIDS. Muitas chegam à instituição sem nenhum documento, após vivências de rua, abandono familiar ou situações de violência.
Para o Reverendo Magela, coordenador da casa, a ausência de registro civil afeta diretamente o acesso a serviços básicos como saúde e assistência social.
“Sem documentação, a pessoa não consegue se inserir nos sistemas de saúde de forma efetiva. Não é que não seja atendida, mas com registro é possível rastrear histórico, localizar familiares e garantir um cuidado mais completo. O registro civil é o primeiro passo para o autocuidado e para o acesso à dignidade”, afirma.“
O reverendo disse que a campanha ainda precisa de maior alcance. “A Semana Nacional do Registro Civil é uma iniciativa importante, mas a divulgação ainda é muito limitada”, explica. “Quem mais precisa, as pessoas que não têm documento, muitas vezes nem sabem da existência da ação. É fundamental ampliar a rede de comunicação com as entidades de base”, destaca.
A população LGBTQIA+, especialmente pessoas trans, enfrenta discriminação durante o processo de regularização.
“Vemos servidores públicos que ainda agem com transfobia, negando atendimento ou dificultando a retificação de nome e gênero, mesmo com a lei ao nosso lado. Isso desestimula a pessoa, que já está em situação de vulnerabilidade, e muitas vezes ela desiste no meio do processo”, denuncia o reverendo.
Ele também chamou atenção para a ausência de políticas públicas locais voltadas à população LGBTQIA+ em situação de rua no Tocantins. “Palmas não tem uma casa de acolhida para essa população. O Estado precisa assumir a responsabilidade de proteger quem mais precisa. A cidadania não pode ser um privilégio — é um direito.”
Para Célio Kanela, do povo indígena Kanela Tocantins e diretor de proteção aos indígenas da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Estado, o registro é mais do que um documento — é prova de resistência.
“Falar de registro civil é falar da nossa existência. Muitas comunidades indígenas deixaram de existir porque nunca tiveram seus nomes reconhecidos oficialmente. O nosso povo, por exemplo, há anos luta na justiça pelo direito de acrescentar sua etnia no documento. Ainda nos é negado esse direito, e muitas vezes dizem que não existimos porque não estamos no papel”, afirma.
Célio destaca que incluir o nome indígena no registro é um direito previsto em lei, mas ainda não garantido na prática. “Colocar o nome do nosso povo no registro civil é dizer: estamos aqui, resistimos e pertencemos a esse território”, completa.
Em 2022, o censo do IBGE mostrou que o número de indígenas no Brasil cresceu cerca de 89% em relação a 2010. Esse salto está ligado a mudanças na metodologia do levantamento e ao fortalecimento do autorreconhecimento. O registro civil com nome indígena é uma ferramenta para que essa identidade seja respeitada legalmente e garanta acesso a políticas públicas específicas.
A ação nacional foi criada para enfrentar o desafio de milhões de brasileiros que vivem sem certidão de nascimento ou qualquer outro documento, cerca de 2,7 milhões de pessoas.
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