Aumenta diagnósticos de autismo no Brasil

Por Catarina Ingridy

Entrevista com o jornalista Francisco Paiva Júnior, criador da revista Autismo

O autismo, uma condição que afeta cerca de 5 milhões de brasileiros, tem mostrado um aumento significativo nos diagnósticos, tanto no Brasil quanto em outros países. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em 2020, 1 em cada 36 crianças foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), um aumento expressivo se comparado ao ano 2000, quando a prevalência era de 1 em 150.

No Brasil, embora os números oficiais sejam mais difíceis de obter devido à complexidade do diagnóstico, que exige uma avaliação multidisciplinar, os dados do Censo de Educação Básica revelam um aumento de 50% nas matrículas de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em escolas regulare, saltando de 405 mil em 2022 para 605 mil em 2023.

Este crescimento reflete uma maior conscientização sobre a condição e a necessidade de garantir que as crianças com autismo tenham acesso a um ambiente educacional inclusivo e adaptado às suas necessidades.

O processo de diagnóstico do autismo no Brasil enfrenta diversos desafios, desde a falta de profissionais capacitados até a dificuldade de acesso aos serviços de saúde especializados. Diferentemente dos Estados Unidos, que possuem mecanismos mais eficientes para coletar e consolidar dados, o Brasil ainda carece de uma estimativa precisa de quantas pessoas vivem com TEA.

A conscientização crescente sobre o autismo, porém, tem incentivado a busca por diagnóstico precoce, o que é fundamental para garantir intervenções que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas.

            LIVE: AUTISMO E INCLUSÃO

Com o objetivo de discutir essas questões e promover a conscientização sobre o tema, a Ação Curricular de Extensão (ACE) 1 do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT) realizará, no dia 18 de setembro, às 10h, uma live intitulada “Autismo e Jornalismo”. O evento será transmitido pelo canal Inovajor no YouTube e contará com a presença do jornalista Francisco Paiva Junior, editor-chefe da Revista Autismo e um dos maiores especialistas no tema.

Francisco Paiva Junior é uma referência quando o assunto é autismo. Além de ser editor da única publicação em língua portuguesa dedicada exclusivamente ao tema, ele é cofundador da Tismoo•me, uma startup de saúde que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas com autismo através de tecnologia e inovação. A live trará uma visão ampla sobre o aumento dos diagnósticos de autismo, os desafios enfrentados por instituições de ensino e saúde e as iniciativas que buscam garantir a inclusão de pessoas autistas na sociedade.

O dia 21 de setembro marca a mobilização nacional pela inclusão social das pessoas com deficiência (PCD). Criada em 1982 por movimentos sociais e oficializada em 2005 pela Lei N° 11.133, a data busca trazer visibilidade às demandas desta população , promovendo discussões sobre acessibilidade e direitos.

A luta pelos direitos das PCDs é histórica, mas o marco da conscientização da luta anti-capacitista ocorreu em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entrevista com Francisco Paiva Júnior, editor da revista Autismo, única em língua portuguesa no mundo

A população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais, o que corresponde a 8,9% da população dessa faixa etária. Os dados são do módulo Pessoas com deficiência, da Pnad Contínua 2022.

No Tocantins, cerca de 140 mil pessoas possuem algum tipo de deficiência, ou seja, 9,3% da população do estado. No ano de 2022, apenas 25% desse universo de pessoas com deficiência em idade para trabalhar conseguiram entrar no mercado de trabalho. Os dados são do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE).

Na Universidade Federal do Tocantins (UFT), 341 estudantes com deficiência estão matriculados, representando 0,23% da população estadual nessa condição, o câmpus de Palmas são 177 ou 51,91% das PcDs da UFT.

Acompanhe a entrevista com Francisco Paiva Neto

INOVAJOR: O que motivou a criação da Revista Autismo em 2010? Como foi a trajetória até ela se tornar a maior publicação da América Latina e a única em língua portuguesa sobre o tema?

Francisco Paiva Neto: A principal motivação para a criação da Revista Autismo foi meu filho, Giovanni, que é autista. Em 2009, surgiu a suspeita e o diagnóstico de autismo. Eu escrevi um livro, Autismo — Não Espere, Aja Logo!, para encorajar as pessoas a começarem o tratamento cedo, pois o prognóstico e a qualidade de vida melhoram com intervenções precoces.

Após escrever o livro, percebi que nem todos poderiam comprá-lo, especialmente aqueles que mais precisavam de informações. Decidi então criar uma revista gratuita para fornecer informações de qualidade sobre autismo. Em abril de 2010, lançamos a revista, e a primeira edição saiu em setembro do mesmo ano. Inicialmente, a revista não tinha grandes pretensões, apenas a intenção de conscientizar e ajudar a comunidade.

Para minha surpresa, a revista se tornou a única publicação sobre autismo em língua portuguesa e, hoje, é a maior plataforma de conteúdo sobre o tema na América Latina e no mundo lusófono. Começamos com edições impressas e digitais, e uma curiosidade é que, na edição zero, utilizamos QR Codes, algo ainda desconhecido na época.

A ideia era conectar o conteúdo impresso com o digital, algo que se consolidou muito depois, especialmente no pós-pandemia. Essa visão pioneira acabou se mostrando muito acertada, pois os QR Codes se tornaram comuns globalmente.

INOVAJOR – Como a Revista Autismo funciona em termos editoriais e comerciais? Quais são os desafios que você enfrenta para manter uma publicação gratuita, tanto no formato digital quanto impresso, voltada para esse público específico?

Francisco Paiva Neto – A revista Autismo é sustentada principalmente por patrocinadores, que têm cotas específicas para publicidade e conteúdo digital em nosso site e redes sociais. Estamos sempre buscando novos patrocinadores para aumentar a tiragem da revista impressa e alcançar mais pessoas. A ideia é não apenas estar presente na internet, mas também alcançar aqueles que não têm acesso pleno à rede, como em áreas remotas do Brasil.

Por exemplo, temos parcerias com a Azul Linhas Aéreas e a Jamf, que nos ajudam a distribuir a revista em mais de 120 cidades, incluindo todas as capitais e o Distrito Federal. Um caso curioso é o da Ilha de Marajó, onde os moradores viajam 12 horas de barco para pegar a revista em Belém.

Editorialmente, contamos com jornalistas, ilustradores e colunistas autistas, além de especialistas e familiares de autistas. A produção é genuinamente ligada à comunidade do autismo, com uma equipe que contribui de diferentes partes do Brasil e até do exterior. Embora tenhamos conteúdo suficiente para uma revista mensal, optamos por uma periodicidade trimestral devido à limitação de patrocinadores.

Desde 2021, criamos o Canal Autismo, https://www.canalautismo.com.br/ um site que complementa a revista com notícias e artigos diários sobre autismo. O Canal Autismo inclui também o podcast Spectros, conduzido pelo jornalista autista Thiago Abreu, que oferece entrevistas e perspectivas sobre o autismo e a vida dos entrevistados, mostrando suas histórias pessoais e profissionais.

INOVAJOR – O número de diagnósticos de autismo tem aumentado muito. No Brasil, segundo dados do Censo de Educação Básica, as matrículas de alunos com Transtorno do Espectro Autista em escolas regulares aumentaram 50% de 2022 para 2023. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças apontou que 1 a cada 36 crianças foi diagnosticada com autismo em 2023. Francisco, na sua visão, a que se deve esse aumento tão expressivo?

Francisco Paiva Neto – O aumento dos diagnósticos de autismo é um fenômeno que acompanho de perto. Recebo o paper do CDC um dia antes da divulgação mundial para preparar a reportagem em português. A prevalência nos Estados Unidos é considerada uma referência global, mas não há evidência científica de que os Estados Unidos tenham mais ou menos autistas do que outros países, como o Brasil.

A última pesquisa do CDC, divulgada em março de 2023, mostrou que uma em cada 36 crianças de 8 anos nos Estados Unidos é autista, refletindo um aumento também no Brasil, onde ainda não temos números consolidados. A principal razão para esse aumento é a maior conscientização e atenção aos sinais de autismo. Profissionais de saúde e educação estão melhor preparados e capacitados para diagnosticar o autismo.

Outro fator importante é a revisão do DSM, que desde a publicação do DSM-5 em 2013 ampliou os critérios de diagnóstico. O conceito de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) agrupou diagnósticos anteriores, como a Síndrome de Asperger, sob um único guarda-chuva. Isso fez com que mais pessoas fossem diagnosticadas como autistas, pois o autismo é agora classificado em níveis de suporte (1, 2 e 3).

Além disso, o aumento da conscientização e do acesso à saúde também contribui para o crescimento dos diagnósticos. Em populações com menor acesso à saúde, os diagnósticos eram menos frequentes. À medida que o acesso melhorou, o número de diagnósticos também aumentou. Claro, existem diagnósticos equivocados, mas a ampliação da conscientização e a melhoria na formação de profissionais são os principais fatores para esse crescimento.

INOVAJOR – Francisco, quando falamos de autismo, a gente sabe que os tratamentos e o acompanhamento costumam ser caros. Na sua opinião, como você vê as políticas públicas no Brasil voltadas para pessoas de baixa renda? Quais avanços já conseguimos, e o que ainda falta melhorar nesse cenário?

Francisco Paiva Neto – O tratamento do autismo é, sem dúvida, muito caro, pois normalmente exige uma abordagem intensa e a atuação de profissionais capacitados. Quando olhamos pela perspectiva das políticas públicas, voltadas para as pessoas com menor renda, como o SUS e o poder público em suas três esferas — federal, estadual e municipal —, a situação é lamentável. Infelizmente, o Brasil ainda engatinha nesse quesito, com poucas exceções, como algumas cidades que implementam iniciativas melhores. No geral, o que temos é muito pouco. Quem depende de um diagnóstico pelo SUS enfrenta dificuldades, seja pela demora em obtê-lo ou pelo desgaste das inúmeras idas e vindas necessárias. Além disso, quando falamos sobre o tratamento do autismo, é consenso que quanto mais cedo o tratamento começar, melhor o prognóstico. Portanto, é realmente uma pena que essa realidade ainda persista no nosso país.

E digo mais: essa questão não é exclusiva do SUS. Ela também se reflete na saúde suplementar, ou seja, nos planos de saúde, que estão atualmente enfrentando uma ameaça à sua sustentabilidade devido aos altos custos dos tratamentos, que são bastante intensivos. Isso é agravado por uma pequena minoria que comete fraudes e alguns médicos que, talvez por falta de conhecimento técnico mais aprofundado, prescrevem tratamentos de forma exagerada, prejudicando o sistema como um todo.

Hoje, a sustentabilidade da saúde suplementar está em pauta, e isso impacta diretamente o SUS, agravando a situação. O cenário atual é que, quem tem acesso a um bom tratamento para o autismo, geralmente está em uma das seguintes situações: ou possui um excelente plano de saúde, muitas vezes recorrendo à judicialização para garantir a cobertura adequada, ou possui recursos financeiros suficientes para arcar com os altos custos do tratamento particular.

Este é um problema estrutural do sistema de saúde brasileiro, que afeta também as pessoas com autismo. Portanto, é fundamental que o país avance nesse aspecto, garantindo diagnósticos rápidos e tratamentos acessíveis para todos.

INOVAJOR – Francisco, você é cofundador e CEO da Tismoo•me, uma startup de saúde e tecnologia que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas com autismo. Pode contar um pouco mais sobre o que é a Tismoo•me, como ela funciona no dia a dia e quais benefícios ela traz para os autistas? Se possível, você poderia compartilhar um exemplo prático de como a Tismoo•me fez diferença na vida de alguém?

Francisco Paiva Neto –  A Tismoo.me é uma startup de tecnologia e saúde especializada em autismo e neurodivergências. Desenvolvemos dois serviços inovadores que têm feito uma grande diferença para muitas pessoas.

Gênioo é a nossa inteligência artificial especializada em autismo e neurodesenvolvimento. Lançada publicamente após anos de uso interno, o Gênioo é um recurso valioso para responder dúvidas práticas sobre autismo. Por exemplo, ele pode ajudar um professor a criar exercícios adaptados ao hiperfoco de um aluno autista ou fornecer sugestões práticas para refeições adaptadas às necessidades alimentares específicas de uma criança.

A ideia é que, ao focar especificamente em autismo e neurodesenvolvimento, o Gênioo possa oferecer orientações precisas e úteis. Se a pergunta estiver fora desse escopo, ele orientará que não pode ajudar, garantindo que as respostas fornecidas sejam sempre relevantes e de alta qualidade.

O segundo serviço é o GSP (Gestão de Saúde Populacional), que é direcionado para operadoras de saúde, empresas e clínicas de autismo. O GSP oferece uma abordagem abrangente da saúde do autista, levando em conta aspectos mentais, físicos, emocionais e sociais. Ele não é um tratamento ou terapia, mas sim uma ferramenta para monitorar e melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas, considerando que elas têm maior vulnerabilidade a doenças e necessidades de saúde.

Dois exemplos ilustram bem o impacto do GSP. No primeiro, observamos um grupo de meninos autistas com epilepsia que tinha entre 9 a 12 convulsões anuais. Após ajustar o horário da medicação, conseguimos reduzir a frequência das convulsões para 0 a 2 por ano, o que trouxe grandes economias para o sistema de saúde e uma melhora significativa na qualidade de vida das famílias.

No segundo exemplo, uma mulher autista de 45 anos com dificuldades em completar etapas de tratamento devido à disfunção executiva não conseguiu agendar uma consulta médica para verificar os resultados de um exame. O GSP ajudou a identificar e lidar com essas dificuldades, mostrando a importância de um apoio contínuo e abrangente na gestão da saúde das pessoas autistas.

Esses serviços demonstram como a tecnologia pode ser utilizada para atender às necessidades específicas das pessoas autistas e melhorar sua qualidade de vida.

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Calangopress

Um Projeto de Pesquisa e Extensão idealizado para as atIvidades práticas de reportagem, produzido com a participação dos acadêmicos do curso de jornalismo da UFT.

Vinculado ao Núcleo de Jornalismo (NUJOR), o Calangopress funciona como laboratório para as atividades práticas do estágio, supervisionado pela Prof. Dra. Maria de Fátima de Albuquerque Caracristi.