O TOCANTINS SERÁ LEVADO A CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS

Núcleo de Jornalismo da UFT

Projeto Inovajor

O Estado do Tocantins pode ser chamado a prestar explicações junto a corte interamericana de Direitos Humanos, caso não consiga resolver os problemas apresentados pelo processo fundiário entre o grupo agropecuário Fazenda Araguarina Agropastoril e a comunidade Pé do Morro no município de Miranorte.

A decisão de interpelar a corte interamericana partiu do advogado Bernardino Cosobeck, do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e leva em conta a leniência dos entes envolvidos na resolução de um problema que visa definir a posse de terras de uma comunidade ocupada há mais de 50 anos, conforme comprovado pela reportagem.

As terras em questão foram ocupadas por migrantes que ocuparam a área antes da fundação do Estado do Tocantins, onde hoje está o município de Miranorte, que ironicamente, ocorreu pela instauração da Constituição Cidadã no ano de 1988.

As famílias, compostas por povos tradicionais, segundo laudo técnico realizado pelo Ministério Público do Tocantins, fugiam da perseguição de colonos que destruíram muitas comunidades quilombolas e indígenas.

As migrações inter-regionais se intensificaram no século XX e no caso do Norte do país teve como estímulo a política de Marcha para o Oeste, iniciada na década de 1940 que trazia promessas de empregos oferecidos pela expansão agrpecuária.

Os moradores do Pé do Morro não sabem precisar de que localidades vieram, alguns acreditam que vieram com os pais do município de Itacajá, que segundo dados do IBGE está localizado na Mesorregião Oriental do Tocantins, na Microrregião do Jalapão.

Itacajá foi fundada pela necessidade de evangelizar os índios Krahô, que em maioria eram os habitantes da região, por volta de 1938. No ano de 1940, houve grande perseguição e massacre aos krahô, o que pode ter motivado a migração desses para onde hoje se localiza a comunidade Pé do Morro.

Os migrantes se concentraram nos lotes 65, 66 e 67, uma extensão de 4.907 hectares, fundando a Comunidade Pé do Morro, posteriormente, adquirida pelo grupo Araguarina Agropastoril LTDA.

A comercialização foi realizada pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), já que se tratava de terras devolutas da União, e o instituto não levou em consideração a presença dos moradores ali instalados.

O processo fundiário se arrasta desde 17 de maio de 2016, sem solução. Os posseiros sobrevivem em condições pré-históricas. As crianças sem escolas, os alimentos perecíveis como carne são salgados e dependurados nos tetos de palha e não há banheiro, nem para as anciãs.

Nas negociações com a Fazenda, os moradores liderados pelo presidente da Associação Padre Martins, Francisco Aldejane, chegaram a abrir mão de 2.925 ha para a Fazenda Araguarina, a comunidade ficaria com a posse de 1.982 ha, mas os agropecuaristas negaram realizar o acordo.

As crianças em idade escolar saem de madrugada das casas de pau à pique, por volta das 5 da manhã, numa kombi cedida pela prefeitura de Miranorte, todos os dias, enfrentam uma estrada perigosa, para estarem às 8 horas, na escola pública de Miranorte.

A pressão contra os posseiros já foi maior, antes da judicialização já houve saque as casas e os poucos pertences eram jogados rio abaixo. O patriarca da comunidade Abel Ferreira da Silva, enfrentou ameças e invasões, foi preso algumas vezes, mas a esperança era obter o documento de posse dos lotes.

Cansado e doente, após a última negativa de acordo negado, teve em infarto e sete dias depois, em 27 de agosto de 2022, faleceu.

O herdeiro mais velho, Abelson Ferreira Júnior, sabe que “o que for possível fazer para impedir que as terras voltem ao domínio da nossa comunidade o grupo Odilon vai fazer”, desabafou durante a audiência, ocorrida na segunda-feira, passada dia 21 de agosto.

“Eles querem nos matar pelo cansaço, a justiça quer favorecer a fazenda, se sem energia há 50 anos, nós não sai, imagina com energia, a justiça está acoitando a decisão da fazenda, é grupo forte e com muito dinheiro”, disse o filho do patriarca falecido, na reunião realizada embaixo dos manguezais.

Neste evento estiveram presentes a secretária de povos originários, Narúbia Werreria Karajá, o coordenador do Núcleo da defensoria Pública Agrária, Fabrício Silva Brito, o advogado e ouvidor agrário do INCRA, Geraldino Gustavo e o representante da Energisa.

O advogado Bernardino Cosobeck, do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia, que vem acompanhando as infrutíferas tentativas de acordo, atesta que a morosidade no andamento do processo e a omissão dos institutos responsáveis são requisitos satisfatórios para levar o caso de direitos violados à corte interamericana dos Direitos Humanos.

“Aceita a denúncia pela Corte interamericana, o governo federal é comunicado para dar uma resposta, na sequência o governo Estadual é também cobrado, se houver uma solução antecipada não é necessário o julgamento do problema, o Brasil e o Estado do Tocantins deixam de ser expostos tão negativamente, perante o mundo, como uma nação que viola e impede a dignidade de crianças, jovens e anciãos e faz conchavo com corporações do agronegócio”, explicou Cosobeck.

Dados passados

O processo que tramita na justiça desde o ano de 2016, já passou pelas mãos de vários juízes sem uma solução. Na última proposta a comunidade consentiu reduzir em 10% a extensão de terra que ocupa, na esperança de receber a certificação de proprietária na luta fundiária contra a Fazenda Araguarina Agropastoril.

A proposta foi lida por um Abelson Júnior, morador da comunidade, para as autoridades, no dia 30 de julho de 2022. Os advogados da Araguarina não compareceram.

A fazenda em questão, possui uma área total de 12.863.3733 (doze mil, oitocentos e sessenta e três hectares, trinta e sete ares e trinta e três centiares), sendo: 8.049.3581 hectares situados no município de Miranorte; 3.265.6606 hectares situados no município de Fortaleza do Tabocão e 1.548.3546 hectares, situados no município de Rio dos Bois, no Tocantins.

A soma de capital social da Araguarina Agropastoril é de R$ 1. 201.996. 832, 71, a organização é composta por 188 sócios, entre os quais aparecem Osagro Participações LTDA; Unidas Participações LTDA, Mariane Lobo Santos e Odilon Santos Neto. https://transparencia.cc/dados/socios/455221/odilon-santos-neto/

Na última tentativa de acordo ocorrida em 21 de fevereiro do ano passado, os advogados da Araguarina, reconheceram o direito dos ribeirinhos à posse de 367 hectares, da ação de usucapião.

Para Francisco Adejane, a proposta não satisfez os empossados que ocupam a área, porque é uma repetição da ação de anulação. (Ação Anulatória nº 0000978-61.2016.827.2726).

A ação de anulação visa desfazer o acordo realizado pelos advogados Coriolano Santos Marinho, Rubens Dario Lima Câmara e Luana Gomes Coelho Câmara e Sandro Almeida Cambraia, contratados em junho de 2012 por Francisco Honorato da Silva e outros da comunidade.

“O acordo foi fraudulento, explica Aldejane, os moradores não foram informados do acerto entre os advogados e os proprietários da Araguarina. A fazenda Araguarina incorporou três lotes de terras do loteamento Pé do Morro, lotes 65, 66, 67 em sua escritura”, disse Aldejane.

As terras já ocupadas pelas famílias de ribeirinhos foram adquiridas pela Fazenda Araguarina numa negociação encabeçada pelo INCRA, que previa a venda para fins de reforma agrária, os moradores foram desconsiderados, mesmo habitando a área desde o ano de 1954.

Não é possível que as pessoas trabalhem a terra, e não possam usufruir do básico”, explicou, “é inadmissível idosos e crianças, habitarem uma área onde sequer há energia elétrica, há um Estado leniente, isso não pode continuar impunimente” Cosobeck

O advogado Bernardino Cosobeck já havia indicado na reunião que ocorreu em agosto de 2022, com a presença do procurador da república Álvaro Manzano e Defensoria Pública do Tocantins que caso o problema de violação de direitos recorrentes contra crianças, idosos não fosse solucionada, era possível haver uma ação através do Tribunal Internacional.

“Não é possível que as pessoas trabalhem a terra, e não possam usufruir do básico”, explicou, “é inadmissível idosos e crianças, habitarem uma área onde sequer há energia elétrica, há um Estado leniente, isso não pode continuar impunimente”.

Isolados entre os rios e o morro, só há uma ponte que os moradores atravessam para sair da comunidade, as estradas ficam quase intransitáveis durante o período de chuva.

O acesso à comunidade é difícil, durante o trajeto para chegar à comunidade ocorrido na segunda-feira passada, as caminhonetes do CDH de Cristalândia foi rebocada. Durante o trajeto, depois que se entra nas estradas, é notório o rastro de destruição do lado ocupado pela fazenda Araguarina.

As reservas de matas naturais do cerrado são derrubadas pelas correntes para dar lugar ao gado de corte.

Com o ecossistema impactado, as onças que habitam a região começam a se aproximar das residências dos posseiros. Áreas extensas do Cerrado e os animais que ali habitam são destruídos sem nenhum tipo de fiscalização de órgão ambientais.

Sem vias de acesso, sem energia elétrica, sem ter dignidade sequer para o sepultamento dos idosos que estão morrendo, impactados pelo abandono do Estado e pelo silenciamento das instituições, a Comunidade do Pé do Morro é mais um exemplo de famílias de tocantinenses que sucumbem lentamente, “é uma geração atrás da outra que sobrevive, sem educação”, disse Abelson, falando dele e dos próprios filhos.

Quando os idosos morrem são levados feito bichos, nas boleias dos carros, apesar do prenúncio do cansaço e todo infortúnio, eles não pensam em desistir. “Nós vamos resistir para assegurar o direito para todos, os nossos filhos vão usufruir do que construímos”, conclui Aldejane.

Participaram da cobertura e revisão da reportagem os professores

prof. Dra. Maria de Fátima de Albuquerque Caracristi

prof. Dr. Carlos Fernandes Franco

Os vídeos produzidos pelo Núcleo de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins foram utilizados pelo advogado Dr. Bernardino Cosobeck como provas materiais da situação da comunidade. Podem ser encontrados no canal nos endereços abaixo.

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Um Projeto de Pesquisa e Extensão idealizado para as atIvidades práticas de reportagem, produzido com a participação dos acadêmicos do curso de jornalismo da UFT.

Vinculado ao Núcleo de Jornalismo (NUJOR), o Calangopress funciona como laboratório para as atividades práticas do estágio, supervisionado pela Prof. Dra. Maria de Fátima de Albuquerque Caracristi.