Desafios e conquistas das pessoas com deficiência visual no acesso à educação e à acessibilidade

Passeio na praia da Graciosa com o Tô na Trilha com DV

Por Kamila Fidel, Lucieli Faedo e Gabriel Rosendo Passo

Até a educação inclusiva constar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, e o Brasil promulgar a (Lei 12.711, de 2012), que assegura a entrada de pessoas com deficiência nas universidades e institutos federais pela lei das Cotas, passaram-se 64 anos.

O direito universal à educação tem sido testado diariamente depois que as leis de inclusão determinaram estratégias de acesso à educação de PcDs (Pessoas com Deficiência) nas universidades e institutos federais. A continuidade da Lei de Cotas, que garante a reserva de vagas para negros, pardos, indígenas, pessoas com deficiência, alunos de baixa renda e estudantes de escolas públicas em universidades públicas e institutos federais já era para ter sido revista em 2022, porque é necessário a lei ser revisitada depois de 10 anos para serem verificadas a eficácia da mesma.

Na Universidade Federal do Tocantins pelas estatísticas disponibilizadas pela Coordenação de Acessibilidade, responsável por cadastrar e organizar os dados e as estratégias de inclusão de alunos PcDs, de maneira mais orgânica e eficaz, há um total de 514 estudantes que ingressaram pelos sistemas de cotas para PcDs. “Precisamos atualizar os dados já há mais ingresso e demanda para os estudantes PcDs e isso reflete nos serviços da universidade”, disse a professora Maria de Fátima Caracristi que coordena o projeto Inovajor.

As inovações tecnológicas para pessoas cegas e de baixa visão, os desafios que essas pessoas enfrentam para se inserirem no mundo dos que vêm foi tema de uma live sobre “Políticas públicas de acessibilidade para pessoas cegas e de baixa visão: do Cão Guia às novas tecnologias” , promovido pelos alunos da disciplina de Produção em Jornalismo, em parceria com o canal do You Tube Inovajor. 

Participaram do evento:

Neyara Rebeca Barroso Lima (Becca), artista invisual, diagnosticada aos três meses de idade com glaucoma congênito. Formada em Letras, e mestranda em Liguística Aplicada em Audiodescrição pela Unversidade Estadual do Ceará (UFC).

Bruno Naves, zootecnista, e coordenador do Programa Cão Guia no Instituto Federal Goiano (IFG).

Pedro Amauri de Oliveira, é doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, reside em Portugal, e na sua fala destacou as inovações que existem para dar mais acessibilidade às pessoas cegas.

Graziane Pacini Rodrigues, é professora especialista em educação Inclusiva/Deficiência Visual e Tecnologia Assistiva na Gerência de Educação Especial/SEDUC-TO.

A mediação da live ficou a cargo do estudante de jornalismo Arthur José Girão de Santana, com a participação técnica no estúdio da monitora do Projeto Institucional de Inovação Pedagógica Inovajor, Itiane Ferreira Pereira.

A Live

A live teve início as 9h30 do dia 4 de abril com a fala da e instrutor de Cão Guia, Bruno Naves.

Segundo Naves “O projeto de Formação de Cão Guia se iniciou em Goiás no início de 2018. O programa possui hoje 7 cães “trabalhando”. Os animais passam pela reprodução, nascimento, e o treinamento no Centro, para serem encaminhados para os donos, pessoas cegas ou de baixa visão. As inscrições para quem quer ter um cão guia na região Centro-Oeste, estão abertas até o dia 22 de abril. Podem ser realizadas no link abaixo.

https://ifgoiano.edu.br/home/index.php/component/content/article/17-ultimas-noticias/22502-abertas-inscricoes-para-cadastro-e-selecao-de-candidatos-a-utilizacao-de-caes-guia.html

Becca Barroso, deficiente visual, formada em letras é consultora em audiodescrição. Becca comentou sobre como a inclusão é fundamental, não apenas a arquitetônica, que é a mais citada, mas em todos os processos, como nas fotografias, nos museus.

Becca na exposição de estréia como pintora de telas em @coresdaarte7, no Shopping Iguatemi em Fostaleza

Graziane Pacini, professora brailista, especialista em educação inclusiva, falou sobre seu papel no estado do Tocantins e na luta que trava pela acessibilidade para as pessoas com deficiência visual. Ela faz parte de um projeto de inclusão social “Tô na trilha com DV (Deficiente Visual), que leva pessoas cegas e de baixa visão, quinzenalmente para pedalar na cidade.

Dinalva é palestrante, professoraa de Braille do CAEE Márcia Dias e integra a equipe de pessoas cegas na trilha com DV

Pedro Amauri de Oliveira, é doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, reside em Portugal, e na sua fala destacou as inovações que existem para dar mais acessibilidade às pessoas cegas. Pedro falou do projeto Livro Acessível, fez um apanhado geral do Tratado de Marshall para pessoas com deficiência visual e fez menção às tecnologias assistivas.

Entrevistas com os palestrantes

Repórter Kamilla Fidel entrevista Pedro Amauri de Oliveira

Você perdeu a visão durante a graduação de direito, certo? Desde essa época, quais foram os maiores desafios para conseguir continuar estudando?

Pedro:

Eu realmente perdi a visão quando estava frequentando o 2° período de direito, na época a instituição na qual eu estava cursava em Curitiba, não havia nenhum departamento que apoiasse estudantes com necessidades educativas específicas […] foi para mim uma situação complicada que não era de se imaginar, eu enxergava normalmente até então, e houve necessidade desse período de adaptação […] comecei a fazer um tratamento para tentar recuperar a visão, passei por uma fase bastante depressiva, até que então eu decidi retornar aos meus estudos e continuar com a minha vida.

Tive que procurar uma universidade que tivesse esses serviços de apoio […] nesta em que me matriculei eles tinham o departamento, o único problema era que eles faziam o que eu necessitava – para o curso de direito – era livros e textos em word […] eles convertiam apenas aquilo que era solicitado pelos os professores e isso era algo bastante preocupante para mim, pois um curso de direito exige que haja uma leitura vasta, eu ficava muito condicionado aquilo que os professores solicitavam, minha leitura complementar ficava limitada. Assim surgiu uma oportunidade em Portugal  na Universidade de Coimbra e lá fazem essas conversões dessas obras em formatos acessíveis e tudo aquilo que necessito eles fazem sem limitações que eu tinha aqui (Brasil).

Pergunta para Beca

Repórter Kamilla Fidel:

Beca, para você quais foram os maiores desafios ao ingressar na universidade?

Beca:

Meus desafios foram todos! Eu já nasci cega, os desafios são realmente diários, parece que a gente está querendo fazer “mi mi mi” ou algo assim, mas na verdade eles começam desde me arrumar sozinha, me vestir, comer, coisas que parecem serem do cotidiano simples, que qualquer um faz, para nós tem sim uma adição de dificuldade de desafio, pegar um transporte até a universidade, aqui na minha cidade apesar de ser 5° maior capital do Brasil, a infraestrutura é péssima, não temos quase nada de sinalização para pessoas cegas, não tenho um cão-guia, então tudo é na bengala infelizmente.

A universidade em si não tem adaptação de piso, não tem adaptação de rampas, as estruturas das universidades administrativas são ou eram muito mal gerenciadas, não tinha esse “negócio” de converter livro para ninguém, os professores passavam trabalhos fotocopiados e colocavam em uma pasta […] tinha que ir lá na xerox e copiar os trabalhos deles, então eram tudo cópias que não me serviam de nada, digitalizar qualquer material foi para mim só um ano depois que entrei na universidade, ou seja, já poderia ter desistido a muito tempo […] os professores acham que você é um problema dentro da universidade, eles têm que fazer adaptações por sua culpa, então é aquela velha história de querer jogar pra cima da gente coisas que não nos atribuem. Os colegas poucos querem ter o trabalho de sair da zona de conforto deles, sabemos que ninguém tem obrigação de fazer algo por ninguém, mas é difícil porque cada um está envolvido com o seu próprio problema […] o que me manteve na universidade foi a minha perseverança em saber que eu queria terminar aquele curso e que de alguma maneira iria dar certo, mas a universidade em si não me apoiou em nada.

Repórter Kamilla Fidel:

Pergunta para Graziane

Repórter Gabriel Rosendo:

Você é professora de braille, como você avalia a falta do sistema braille nas escolas públicas do Brasil? Tendo em vista que o Brasil tem 6 milhões e 500 mil pessoas com deficiência visual, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE.

Graziane: 

Infelizmente, ainda necessitamos de mais investimento e um olhar atento às necessidades educativas dos estudantes com Deficiência Visual. O Sistema Braille é um dos recursos pedagógicos mais acessíveis (custo/benefício) para as pessoas com Deficiência Visual, entretanto, esbarramos na questão da formação dos professores, assim como no acesso e usabilidade, tanto dos recursos pedagógicos por meio do uso do Sistema Braille quanto das tecnologias assistivas.

As escolas públicas já possuem, com certa “facilidade”, alguns desses recursos, mas, novamente, a questão está na formação dos professores e também, na multiplicação das estratégias pedagógicas para o melhor o uso desse Sistema no processo de escolarização dos nossos estudantes com deficiência visual […]

O Ministério da Educação (MEC) lançou o PNLD Acessível que foi um projeto de produção do livro didático em Braille, contando com o trabalho de todos os Centros de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAPs) e Núcleos de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (NAPBs) de todo o país para que houvesse a revisão braille desses livros.

O Tocantins conseguiu que esses materiais chegassem às escolas, mas ainda temos alguns gargalos e entraves acerca do processo de escolarização e inclusão da pessoa com Deficiência Visual […] É um movimento que precisamos sempre estar fortalecendo e buscando as melhores e mais assertivas estratégias para que todos possam aprender e se desenvolver de maneira equitativa, humana e justa!

Pergunta para Bruno

Repórter Karolliny Neres:

Sobre os cães-guia, é apenas uma raça específica ou outras conseguem? Sobre os treinamentos, quanto tempo demora? São treinados desde filhotes ou só quando alcançam uma certa idade?

Bruno: 

A gente trabalha com animais que tenha aptidão, várias raças são utilizadas, Border Collie, Boxer, Pastor-Alemão, Labrador, Golden Retriever, tem várias raças que eles utilizam, cada escola trabalha com sua linhagem, na nossa aqui trabalhamos com labrador […] a aptidão do cachorro é servir, o cachorro que tenha aptidão em tracionar serve para ser um cão-guia, tem que ter um porte médio por causa da altura da alça, um cachorro muito baixo ele não se enquadra.

Sobre treinamento, a preparação em si do cão-guia é 6 meses, treinando meio fio direito, esquerdo, obstáculo direito,esquerdo, lateral, desviar dos obstáculos na rua, retornar a calçada […] apesar da responsabilidade ser do deficiente visual de usar a audição, usar todos os requis para eles saberem se vem carro ou não, o cão-guia também é treinado para isso, para auxiliar, desde que eles nascem já passam por processo de treinamento.

Imagem do card da Live, acesso pelo linK

Matéria revisada: Prof. Dra. Maria de Fátima de Albuquerque Caracristi

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