Por Lys Apolinário
Estamos sempre nos horrorizando com as moças vítimas de estupro coletivo, as moças que têm os rostos apagados por ácido para que não sejam reconhecidas, as moças repreendidas com violência por não usarem seus véus, suas burcas, seus nicabes. Tudo isso acontece no oriente, muito longe. Lá, as mulheres que não obedecem a seus maridos ou aos homens que andam pelas ruas, morrem. As mulheres que não respeitam a honra e a moral dos homens morrem.
E parece que nunca saímos desse torpor e nunca enxergamos o Brasil como é. As mulheres também morrem aqui e também a culpa é sempre delas. Morrem porque ousam. Ousam sair com seus shorts curtos, ousam dizer algo errado aos companheiros, ousam separar-se deles, ousam ferir sua valiosa honra, ousam agir como se tivessem dignidade, ousam passear pelo escuro desacompanhadas da presença masculina.
E a população se escandaliza e se revolta quando um homem ejacula em uma mulher no ônibus, quando um homem espanca uma mulher por horas no primeiro encontro, quando um homem mata a esposa que queria se separar, quando um jovem mata a ex-namorada. A população pede por justiça e quer que nada disso aconteça, mas continua a dizer para as meninas fecharem as pernas e para segurarem as cabras, já que o cabrito está à solta.
Indí me explicou porque as meninas têm que fechar as pernas e porque as mulheres lá usam véu, é porque elas são fortes, mas os homens são fracos e não conseguem segurar seus instintos. E assim eles criam boa parte das mulheres lá e assim também criamos boa parte das nossas aqui. Os garotos não podem dormir no mesmo quarto que as meninas, não tomam banho com as meninas, as meninas não podem abrir as pernas, sentar no colo, ficar peladas na frente dos pais ou dos irmãos.
Criamos as meninas para se protegerem do mal que inevitavelmente vai engolir a maioria delas e criamos meninos para serem homens, o que pressupõe liberdade e ação instintiva, selvagem. Protegemos logo cedo nossas menininhas das crianças do gênero lobo. Às vezes chego a me perguntar se ninguém nunca pensou em ensinar os garotos a respeitarem ao invés de promover esse apartheid.
O apartheid dura a vida toda, mas não dá certo e a culpa é obviamente da mulher. As mulheres são espancadas, estupradas e mortas sempre que rompem essa linha imposta desde a infância. Elas são as únicas culpadas por transporem ou por deixarem que outros transponham a linha. A menina que dormiu na casa do amigo e acordou sendo estuprada transpôs a linha do apartheid, sabia que ali morava um ser selvagem e não se protegeu dele, responsabilidade dela. Assim vivemos, assim impomos que nossas filhas vivam, arrebanhadas por uma linha que cabe exclusivamente a elas zelar.
E seguem os garotos sem saber que quando forçam suas esposas a transarem com eles, isso é estupro e quando se aproveitam da embriaguez de uma garota para transar com ela, é estupro. E seguem todos a dizer “coisa de mulherzinha” e não se dão conta que é desse imenso menosprezo pelo gênero feminino que surgem os roxos, as lágrimas e os caixões. Todos continuam a se perguntar como isso acontece. Por que os homens matam as mulheres?






Deixe um comentário