Renata Mendes

“Antigamente as mulheres que chegavam para pagar pena por tráfico de drogas respondiam pela associação ao tráfico artigo 35 e mais o artigo 33 de tráfico de drogas. Hoje elas estão na liderança do negócio, não necessitando da figura masculina, antes o marido mandava e elas executam, hoje elas têm o poder de mandar e de desmandar”, explica a Diretora do presídio feminino de Palmas, Lídia Nara Gomes Malogali.
A escala de progressão das mulheres nas facções não é nem velada, “elas são promovidas dentro do negócio e vão adquirindo apelidos, uma delas a “Mariana” entrou com o apelido de Eletra, saiu e voltou novamente, mas com nova identificação, se chama agora “Boneca do 15” e tem tatuagens no rosto o que simboliza a sua chefia”. Essas mudanças de nomes e apelidos, as formas de tatuar o corpo são maneiras de identificar o prestígio e o comando dentro das organizações, “mesmo que essa moça um dia queira sair do crime, o crime não sai mais dela”, diz a diretora.
A população carcerária feminina cresceu 698% no Brasil em 16 anos, segundo dados do departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da justiça. Do total de mulheres presas, 60% estão encarceradas por crimes relacionados ao tráfico, principalmente no que tange ao transporte e guarda de drogas. Os números colocam o país na quinta posição no ranking mundial de mulheres presas, atrás somente dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia.
Os dados, ainda que nacionais, refletem um cenário semelhante no Tocantins. Só na Unidade Prisional Feminina de Taquaralto, por exemplo, existem atualmente 61 presas, com idade de 18 a 25 anos. De acordo com a Diretora do presídio Lídia Nara Gomes Malogali, os principais fatores que levam essas mulheres a entrarem no mundo do crime são na maioria das vezes, o histórico familiar, vulnerabilidade social e o envolvimento com o tráfico que geralmente deve-se a indução do marido, namorado ou companheiro. “São mulheres, que já vem de um histórico familiar bastante complicado, além disso, boa parte delas são aliciadas pelo companheiro” afirma.
“Meu marido já era envolvido com o crime e mesmo não fazendo as mesmas coisas que ele, a gente acaba se comprometendo. Eu não fazia os “corre” mas, aconteceu uma operação da polícia, teve algumas escutas e eu acabei vindo parar aqui” relata a reeducanda, Luzia[i] uma jovem de 23 anos, que se apresentou com mais quatro reeducandas, atualmente cumprindo pena por tráfico de drogas.
No caso da Amanda, também presidiaria, a falta de oportunidade e dificuldade financeira foi o que a levou para a prisão. “ Eu estava com um filho pequeno, meu pai e minha mãe não tinham como me ajudar, eu tinha que fazer alguma coisa que ganhasse dinheiro rápido, aí apareceu a droga” relata. Amanda ainda conseguiu progredir de regime e cumprir pena do regime semiaberto, “na época eu estava amamentando meu filho, depois que ele completasse seis meses eu sabia que ele seria tirado de mim, não pensei duas vezes, me evadi com meu bebê, não conseguia me ver ali sem ele”.
Principais dificuldades
Na Unidade Prisional Feminina de Taquaralto é um ambiente pequeno e sem estrutura para manter com segurança as presas. “Estamos esperando o comunicado oficial, mas vamos nos mudar para um local mais amplo, mais adequado para as necessidades das detentas”, foi a informação da diretora.
Na entrevista que nos foi concedida as presas apontaram bastante problemas relacionados à falta de estrutura, um deles os espaços pequenos, “convivemos seis mulheres numa cela de 2 metros por 2 metros, isso tem atingido a nossa saúde, temos problemas nas juntas, joelhos, principalmente, porque ficamos muito tempo sentadas e sem movimento”.
A falta de políticas públicas na unidade prisional e o não cumprimento da Lei de Execução Penal, (Lei Nº 7.210 de 11 de julho de 1984, no Capítulo II, Seção 1, Artigo 10 diz “que é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Ainda no Parágrafo único, a assistência estende-se ao egresso: “ I – material; II à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa”) para os estabelecimentos prisionais, é um grande dificultados da reeducação. “Somos tratadas com brutalidade, a nossa comida é péssima, e pouca, enquanto os homens na CPPP recebem seis refeições diárias nós temos apenas três”, disse uma das detentas durante a entrevista. “Muitos procedimentos são desnecessários, as vezes eles entram aqui, com spray de pimenta e balas de borrachas, sem nenhuma necessidade, estamos presas numa cela, eles estão armados e são homens, por que tanta violência? Isso causa revolta na gente”, desabafa Lais[ii], com 19 anos e com uma pena perto de progressão. “Eu estava estudando, isso me ajudava muito, agora parou tudo, não temos nada aqui”.
A direção do presídio reconhece as dificuldades e confirma as queixas das reeducandas, “fica difícil pensar em reeducação diante das nossas estruturas, as meninas estão sem escola, era uma atividade que as envolvia, porque conseguem progressão de pena”. Para cada três dia de estudo, a presa tem direito a um dia a menos para cumprir, segundo a Lei de Execução Penal. “A gente não tem oportunidade de fazer cursos aqui dentro. Acaba que, quem já concluiu o ensino médio perde o aprendizado e a remissão, se fizéssemos curso seria ótimo” completa.
As mulheres encarceradas perdem rapidamente o elo afetivo com seus companheiros, têm de conviver com a ausência ou esquecimento da própria família, seja pela vergonha dos familiares, seja pela distância da cidade de origem. “São poucas as que recebem visitas, algumas recebem as mães outras os pais e tem uma única presa, de todo presídio, que recebe a visita do marido.
“O espaço não me dá segurança para eu autorizar visita íntima, mesmo se for o caso de serem casadas”, informa a diretora, “se uma ou outra consegue ter um relacionamento íntimo durante a visita é do jeito delas, na improvisação, porque não posso autorizar, pela segurança do próprio sistema, é proibida a visita íntima sem a existência de um local apropriado”, justifica a diretora.
Perfil das presas
Segundo o levantamento realizado pelo Ministério da Justiça, as mulheres brasileiras submetidas ao cárcere são em geral jovens, têm filhos e são as responsáveis pela provisão do sustento familiar. A pesquisa mostra que 50% das detentas têm entre 18 e 29 anos. Em relação à etnia, 67% das mulheres presas são negras, são duas a cada três presas. Na população brasileira, a proporção de negros é de 51%, segundo o IBGE. O nível de escolaridade também é baixo. Enquanto na população brasileira 32% das pessoas completou o ensino médio, apenas 11% da população prisional feminina o fez. Cerca de 50% das presas têm formação até o ensino fundamental e 4% são analfabetas.
Dados
Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no ano 2000, havia 5,601 mulheres cumprindo medidas de privação de liberdade. Em 2016, o número saltou para 44.721. Apenas em dois anos, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, houve aumento de 19,6% subindo de 37.380 para 44.721. Depois do tráfico de drogas, a principal acusação que leva ao encarceramento feminino é furto (9%) e roubo (8%).
[i] Nome fictício, para preservar a imagem das prisioneiras
[ii] Nome fictício
Confira nossa reportagem especial:






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